terça-feira, 18 de julho de 2017

Tecnologia sem computador: como fazer muito com pouco

Trabalho de robótica realizado pelos alunos de Debora Garofalo durante as aulas de Informática Educativa
É necessário refletirmos sobre o papel da tecnologia na aprendizagem. Há uma ideia de que trabalhar com ela envolve somente os equipamentos (computadores, tablets, smartphones e a internet), mas isso precisa ser desmistificado. Esses aparelhos precisam ser olhados pelo potencial que desencadeiam em inovação, inventividade e criatividade para a resolução de problemas, tornando-se assim propulsores da aprendizagem.

Ao lado de outros 10 professores de diferentes regiões do Brasil, tive a oportunidade de estar na SXSWedu, o maior evento de Educação, Inovação e tecnologia do mundo. No painel Computer Sciences Best Practices (“Melhores práticas em ciência da computação”), foram apresentados conceitos bastante interessantes para refletirmos sobre qual a função da tecnologia na sala de aula. Um dos palestrantes, Ted Fujimoto, consultor em inovação na Educação, defendeu que é possível fazer grandes coisas com baixos recursos. Outra especialista, Carol Fletcher, vice-diretora da faculdade de educação a Universidade do Texas, apontou que a tecnologia “não pode ser encarada como algo separado da escola e tem de estar incorporada ao cotidiano, e não ficar presa somente ao currículo. A tecnologia transforma o currículo”.

Como educadora da rede pública de ensino aqui da capital paulista, sempre procuro encontrar caminhos para trabalhar grandes temas geradores. E isso ocorre mesmo quando não possuo o material adequado, como equipamentos específicos de robótica. Ao observar o entorno da comunidade onde leciono da zona Sul de São Paulo – uma comunidade muito carente, com ausência de saneamento básico – sempre me senti incomodada com a quantidade de lixo e, principalmente, de materiais recicláveis que poderiam ser reaproveitados e explorados. Eles poluem um córrego próximo a escola, que, em dias de chuva, alaga a região. Diante desta reflexão, propus aos alunos: vamos fazer robótica com sucata?

Trabalhos realizados pelos alunos de Debora

No começo, os alunos acharam estranho: como trabalhar as tecnologias sem usar computadores? E robótica, o que é? Após rodas de conversa e pesquisas, fomos a campo andar aos arredores da escola e recolhemos muitos materiais recicláveis. Entre eles, garrafas pet, rolinhos de papel higiênico, tampinhas de garrafa, isopor, palitos, forminhas, chaves de fenda, aparelhos eletrônicos quebrados, entre outros.

Realizamos uma nova roda de conversa sobre como dar outro destino a estes materiais. Iniciamos o trabalho de robótica com sucata livre. Para instigar a curiosidade, partimos de um conceito simples: propus criarmos um carrinho movido a balão de ar, explorando questão da força. Depois, lancei provocações norteadoras: “Quando encho a bexiga, o que fica dentro dela?”, “Se solto este ar, o que acontece com a bexiga?”, “Qual material devemos usar?”, “Quais materiais podem usar para fazer as rodas? E para prender as rodas?” e “Se usarmos este conceito, é possível criarmos algo?“.

A proposta inicial era realizar o trabalho somente com as séries do Fundamental I, mas a proposta foi tão bem aceita que, a pedido dos estudantes, realizei a oficina com todos os alunos da escola, contemplando os diferentes níveis de aprendizado e aumentando a complexidade nos desafios. Os carrinhos ficaram diferentes uns dos outros, e cada criança utilizou o conhecimento para desenvolver o seu protótipo. Jovens e crianças, meninos e meninas, se empenharam em construir e testar a sua invenção.

É importante ressaltar que este trabalho foi realizado durante as aulas de Informática Educativa e com a sala inteira, dando oportunidade a todos de vivenciarem e experimentarem este conteúdo coletivamente. Com a ajuda da tecnologia, alguns alunos indisciplinados foram despertados para a aprendizagem e se envolveram bastante nas aulas. Depois, eles construíram e levaram outros projetos para a sala de aula, como uma mesa de hóquei movida a secador de cabelo, circuito elétrico, robôs com leds e que mexem os braços, barcos que andam na água opor meio de motor e hélice, aviões, carrinhos motorizados e aranha robótica, entre outros experimentos elaborados com sucata de eletrônicos. O processo de produção desses objetos desperta o protagonismo e a autoria dos alunos por meio da prática e da experimentação.


Veja aqui um passo-a-passo de como montar um carro movido a bexiga e a ratoeira.
  1. Vale a pena iniciar o trabalho conversando com os alunos sobre as possibilidades que temos de realizar uma transformação social. No caso, identificamos materiais sem uso que prejudicavam o meio ambiente e o entorno da escola e que poderiam ser reciclados. Para envolver a comunidade escolar, realizamos parcerias com ferros velhos próximos à escola, onde encontramos motores de DVD player, fios, arames, ventoinhas de computadores, mouses (dos quais dá para aproveitar os leds), entre outros materiais. Realizamos campanhas de doação no Facebook e no blog da escola e os próprios professores da unidade escolar também colaboraram, doando materiais que não utilizavam mais. Depois, é preciso separar alguns materiais, como chaves de fendas, alicates, martelos, pistola de cola quente e ferro de soldas.
  2. Provoque os alunos por áreas de conhecimento e por meio de resoluções de problemas. Para o meio ambiente, qual a importância de reciclarmos esses materiais? O que é um circuito elétrico? Como realizamos um? O que podemos fazer com uma garrafa pet? De que forma podemos construir um carrinho? Como deve ser o eixo das rodas? É melhor usarmos pilhas e/ou bateria? Vamos testar? Por que o carrinho está andando? Por que o carrinho não está andando?
  3. É importante realizar fichas de investigação. Desta forma, os alunos podem trocar entre si (este trabalho pode ser feito em grupos e não necessariamente os alunos estão realizando o mesmo projeto). Também é importante apontar o que não está dando certo e o motivo disso. Assim, eles testarão outras hipóteses considerando os erros, fundamentais para o processo de aprendizado. Costumo manter também um diário com os alunos. No caso deste trabalho, dentro da rede social Edmodo. Os alunos registraram suas impressões na construção do protótipo e, nos fóruns de discussão, os colegas contribuem para o seu projeto. Ao escrever seus diários, eles trabalham a escrita e a leitura (que pode ser avaliada pelo professor de Língua Portuguesa).
  4. A aprendizagem deve ser significativa e, de preferência, envolver a resolução de um problema concreto. No caso, a questão dos materiais que eram jogados nos arredores da escola. Outra proposta para nosso projeto foi realizar protótipos para auxiliar os alunos com necessidades especiais (falarei mais sobre isso em um post futuro). Mostre que eles possuem a capacidade de criar soluções para problemas cotidianos.
  5. Realizar parceria de projetos, envolvendo outros docentes, também é interessante. Que tal chamar os professores de Ciências e Geografia para falar de reciclagem e a importância disso para o meio ambiente?
  6. Compartilhe a aprendizagem. Promovo feiras e exposições com os trabalhos que eles realizam, pois considero uma oportunidade de envolver os pais e a comunidade escolar. Nessa hora, será possível exercitar a oralidade.
  7. Com o tempo, aumente o grau de dificuldade dos problemas. O trabalho inicial facilitou o entendimento sobre tecnologia e aumentou o interesse pela robótica. Os alunos já se sentem motivados a explorar e conhecer mais recursos. Agora, estamos envolvendo a sucata com trabalhos de programação.


Por meio desse projeto, a tecnologia deixou de ter seu uso relacionado apenas aos computadores e ao lazer. Ela passou a ser vista também como uma ferramenta de construção e mudança social. Eu, a comunidade escolar, os pais e os próprios alunos viram que é possível desenvolver a criatividade, inventividade e resolver problemas tendo os estudantes como protagonistas. 

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Robótica e programação estão cada vez mais presentes em sala de aula

Professores especialistas do Centro Paula Souza mostraram práticas mais recorrentes em educação

 

Foto: Gustavo Morita

A automação chegou para ficar. Em alguns setores, não há mais volta: muitos empregos irão desaparecer porque as atividades passarão a ser realizadas por robôs. Ironicamente, neste ano a Bett Educar acontece ao lado da ExpoMafe, uma feira de equipamentos industriais.  De um lado, as máquinas que prometem automatizar a indústria; do outro, soluções educacionais para que a nova geração seja capaz de criar e comandar soluções de inteligência artificial, ao invés de ser excluída do setor produtivo por ela.

As aulas de robótica e programação estão chegando com força nas escolas. Na Bett Educar 2017, há diversos estandes tradicionais oferecendo tanto a parte móvel (kits para montar robôs, circuitos etc.) quanto a virtual, por meio de startups dedicadas ao tema e palestras que mostram que se trata de um assunto estratégico. O Brasil já tem sua própria Olimpíada de Robótica e Olimpíada de Informática, além da tradicional Olimpíada Brasileira de Matemática.   Tiago Jesus de Souza, especialista em tecnologia da informação, e Carlos Eduardo Ribeiro, professor universitário e coordenador de projetos, ambos com atuação ligada ao Centro Paula Souza, explicaram em palestra como o tema é trabalhado com alunos do ensino médio: há organização de grupos e competições para estimular os jovens e a entrar em contato com as linguagens e recursos didáticos que adotam em seu programa.

Abaixo, algumas tendências em termos de recursos e didática:

Programação em blocos e Java

Apesar da programação em blocos (Ardublock) ser uma tendência forte, já que pode ser adotada também por alunos do ensino fundamental, o ensino de programação em Java e a programação em C ainda são populares. Ou seja, a boa e velha programação linha a linha não deve sair de cena tão cedo.

Projetos interdisciplinares

Souza e Ribeiro lembram que boa parte do trabalho que realizam envolve engajamento interdisciplinar. “Os alunos correm para o professor de física e perguntam sobre circuitos. Mas o professor de física ainda não deu aquela aula, então conversamos”, conta Souza. A flexibilidade e o trabalho em equipe, segundo ele, são importantes. Outro ponto ressaltado é que é preciso ensinar os alunos sobre a elaborar projetos. É necessário indicar a linha de pesquisa, materiais e tecnologia utilizados na elaboração dos robôs, bem como a função dos mesmos.

Tipos de robôs

Os tipos mais comuns de robôs citados são aqueles carrinhos e braços robóticos. A dupla desenvolveu no Centro Paula Souza um projeto que envolvia tanques de guerra e batalhas virtuais. Entre os carrinhos, há projetos de sensores de linha, sensor de obstáculos e rally. “O importante é que aquele robô cumpra uma tarefa”, lembra Souza.